[Resenha] As Perguntas


As Perguntas
Autor: Antônio Xerxenesky
Editora: Companhia das Letras
184 páginas

A trama é conduzida e guiada sob o olhar e voz de Alina, uma jovem adulta que vive uma rotina como outra qualquer, acorda cedo para trabalhar, enfrenta trânsito, trabalha em uma área diferente da que estudou e vai à festas e baladas com amigos. Alina mora em São Paulo, uma cidade moderna, que está em constante movimento, repleta de eventos e oportunidades, no entanto, a jovem vive um momento de tédio e frustração... até que recebe uma estranha ligação da polícia.


Apesar de trabalhar com edições de vídeo, Alina é doutora em história das religiões, especializada em tradições ocultistas. Ao chegar na delegacia descobre que foi chamada para ajudar num caso suspeito de surto psicótico que vem acontecendo pela cidade e que possa estar ligado à uma seita. Alina foi indicada por antigos professores que acreditavam que ela poderia contribuir por ter relação com suas pesquisas. Ela fica intrigada com o símbolo geométrico desenhado por uma das vítimas e começa a investigar por conta própria. Apesar de estudar sobre ocultismo e religião, Alina não acredita em nada disso. Desde criança enxerga estranhos vultos e sombras ao seu redor, e apesar de ter um certo medo dessas aparições, sempre busca dar explicações científicas a elas.

“[...] se certas tradições foram mantidas, e conseguiram escapar da história, da ciência, bom, é porque há algo de verdadeiro nelas, não?” 


O leitor acompanha a rotina de Alina em busca de desvendar a relação que liga a misteriosa seita aos surtos que rondam a cidade. No entanto, não espere um livro com investigação e perseguição policial. Toda trajetória de Alina se passa em apenas um dia, um dia que a jovem mergulhará nas ruas de São Paulo em busca de respostas. Quanto mais Alina pesquisa sobre a seita, mas ela se envolve em algo perigoso que a faz refletir sobre sua vida e crenças.

“Nem sempre acordar foi essa dificuldade, Alina pensou, nem sempre sair da cama foi uma batalha lenta e com alta possibilidade de derrota.“ 


Há dois aspectos que amei na trama: São Paulo e filmes de terror. Eu tenho um caso de amor com a cidade de São Paulo e adorei ter viajado até lá através do livro. Na verdade, ao meu ver São Paulo é tão importante na história quanto Alina. É muito bacana saber aonde a personagem está, os lugares que está passando e o que ela sente sobre a cidade e compreender tudo isso. Eu me identifiquei em todas as passagens que a protagonista se refere a cidade, pois é do mesmo jeito que eu a vejo. Aliás, essa obra, mesmo sendo curta, apresenta diversas passagens inteligentes que nos fazem refletir junto com Alina. Sem mencionar, que é um livro recheado de referências de filmes (de terror como já mencionei), música e claro ao ocultismo, que é o estudo principal da protagonista do livro.

[...] achava São Paulo bonita, a São Paulo cinzenta e nublada que às vezes encontrava espaço para o sol, com seus prédios modernistas, cada um com sua altura, sem seguir nenhuma norma ou lógica, a ausência absoluta de um padrão estético, aquele amontoado de concreto colorido por fuligem se espalhando até onde os olhos são capazes de enxergar.” 

“O céu estava carregado de nuvens, o dia todo se encaixava no estereótipo da cidade, aquele cinza desesperançado que neutralizava cores, achatando-as numa única e desagradável tonalidade. E então Alina começou a caminhar, sem destino, pela avenida Paulista.”

“Há algo a dizer sobre o céu noturno de São Paulo: é dos mais escuros possíveis. O brilho artificial da cidade oculta todas as estrelas do céu, enquanto a iluminação precária dos postes, suas luzes amareladas e caídas, dão a impressão de que, ao andar pelas ruas, você está procurando seu caminho por um mundo de sombras.” 


“Apesar de o cinema de terror ter se tornado um nicho lucrativo nas últimas décadas, e às vezes até emplacar um sucesso de crítica, é difícil explicar o valor do horror a um a pessoa que sente repulsa pelo gênero.”

“Quando desenvolvi minha paixão pelos filmes de terror, acidentalmente encontrei uma frase de Dreyer sobre a filmagem de Vampyr, quando o cineasta descobriu qual é a lógica do terror: há uma cena normal, estamos sentados numa sala igual a qualquer outra. E, subitamente, alguém nos avisa que há um cadáver do outro lado daquela porta. De repente, tudo muda. Vemos as coisas de uma maneira diferente. A luz, a atmosfera, tudo é distinto, embora as coisas continuem no seu lugar e nós sejamos as mesmas pessoas.”

O desfecho do livro foi interessante, inteligente e não previsível, porém fiquei dividida sobre o que senti ao finalizar a leitura. De princípio, as últimas páginas não me cativaram como esperava, afinal o livro apresenta uma história muito boa e uma narrativa impecável, o que me deixou à espera de um desfecho impactante, porém o fechamento da história trouxe consigo mais pontas soltas do que explicações. Claro que não se deve esperar muitas respostas de um livro denominado "As Perguntas", mas gostaria que o autor tivesse desenvolvido melhor algumas personagens secundárias, e acredito que o nome do livro não é motivo para pelo menos explicar algumas situações da trama. Por outro lado, o desfecho também é um ponto interessante e reflexivo do livro, afinal acompanhamos a trajetória de uma personagem que está em um momento difícil, com vários questionamentos sobre sua vida e sobre o que, de fato, acredita. É difícil não se identificar, nem que seja em alguns pontos, com Alina. E acredito que o fechamento da trama, retrata exatamente a vida como ela é, temos muitas dúvidas e nem sempre obtemos respostas (ou às vezes obtemos, mas nem sempre é a que queremos ouvir), mas mesmo assim devemos seguir em frente.

“Demorou, mas esse momento chegou. Uma pessoa não vira adulta ao conseguir emprego, ao aceitar que a vida pode ser entediante, e que fazer o que detestamos durante oito horas por dia é parte inteligente da experiência humana, não, não tem nada a ver com trabalho, viramos adultos quando pessoas da nossa idade morrem de forma absolutamente estúpida e podemos contemplar, com a lucidez necessária, a fragilidade e o absurdo da vida.” 

“[...] o brasileiro também morre de medo de perder o emprego, nada pode ser pior para o brasileiro do que não ter como alimentar sua família, nada apavora mais o brasileiro do que o risco de se tornar essas criaturas deitadas na sarjeta, medos urbanos, medos contemporâneos, pensei, de certa forma, a vida na cidade nos cegou para qualquer outro tipo de medo que não o imediato, e nosso pavor das sombras se transformou no pavor do outro, na pessoa que se aproximará na rua com um revólver e o olhar vidrado, que exigirá nosso dinheiro e nos lembrará que muita gente não tem nada enquanto nós somos privilegiados, e eles podem aparecer e, para nosso extremo terror, mostrar que não somos nada além de pedaços apavorados da mais frágil carne diante do cano de um revólver.”


“A minha geração vai se arrebentar por completo, pensei. Mentiram para nós que estudar história, literatura, cinema, política, música, as chamadas humanidades, serviria para algo, mas não serve para nada, somos todos Wikipédia sem função na sociedade, parasitas citando Godard e Joyce como se isso fosse nos salvar.” 

“A função do governo é remover tudo o que há de perigoso na vida da sociedade; a função das pessoas é recuperar o que ainda pode haver de interessante na cidade. “ 

“Quantas tragédias já passaram por aqui. Quantas pessoas foram atropeladas, assassinadas, violentadas. Quantos suicidas solitários realizaram seu último ato no silêncio da noite. Quanto ódio, rancor, infelicidade permanecem gravados nessa calçada, nesse asfalto. Se fosse possível enxergar os mortos, vê-los empilhados, eles estariam muito mais altos que os viadutos, eles preencheriam os túneis.”





Portanto, houve uma mistura de fascínio e decepção pelo final, isso é possível? Bom, afirmo que sim, pois foi exatamente o que senti nas últimas páginas deste livro. Contudo, devo ressaltar que é uma ótima leitura, e o melhor, a trama não segue as mesmas receitas de outras obras. Alina traz vários questionamentos interessantes sobre a vida, a morte, a chegada aos 30 anos, independência, sonhos não realizados, perda, amores platônicos, crenças e ceticismo...são várias as suas reflexões. Não tem como não se identificar com a protagonista e mergulhar nessa atmosfera sombria de dúvidas, novas descobertas e novos questionamentos. O livro apresenta uma narrativa fluida, recheada de suspense e reflexão. Adorei o design da capa e a sua diagramação. Agradeço a Companhia das Letras pelo envio do livro e pelo autógrafo do autor, guardarei com muito carinho. Recomendo a leitura!


Eloise G.F

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