Resenha: Histórias Extraordinárias [Parte I]

Histórias Extraordinárias

Autor: Edgar Allan Poe

Editora: Abril

430 páginas

O pilar de toda prosa de Edgar Allan Poe se sustenta em características de elementos do estilo gótico e do desespero e obscuridade da natureza humana, ou seja, os aspectos mais sombrios das mentes de seus personagens, tais como alucinações, mentes inquietas e perturbadas, personagens neuróticos que enfrentam a dualidade de sua personalidade. As histórias são ambientadas em cenários melancólicos e frios. A morte, o fatalismo e o mergulho no lado desconhecido da alma humana  são características fortes das histórias de Poe. A impressão de realismo é criada dentro do irreal. Sua influência estendeu-se à poesia simbolista, à ficção científica, ao romance policial moderno e psicológico. Em 1848, Contos do Grotesco e do Arabesco, foi publicado na França como Histórias Extraordinárias, por Baudelaire. Foi originalmente publicado em dois volumes e consiste em 52 contos. A edição da Abril apresenta apenas 16 contos, vou dividir a resenha em duas partes para, assim, abordar quatro contos: “A Queda da Casa de Usher” e “O Gato Preto” na parte I, “Manuscrito Encontrado Numa Garrafa” e “Os Crimes da Rua Morgue” na parte II.

Ao trabalhar o lado obscuro da natureza humana, Poe despertou sentimentos de terror e horror àqueles que leem suas obras. Através de seus contos macabros, explorou detalhes oníricos sombrios, com pessoas enterradas vivas, cadáveres que ressuscitam, lares em decadência e personagens com tormentos psicológicos.
Os contos são narrados em primeira pessoa, geralmente o leitor não tem conhecimento de quem seja o narrador, seu nome, por exemplo, é sempre desconhecido, e normalmente é um narrador-personagem que relata os fatos ao seu redor e pessoas, de acordo com a situação que está inserido. Alguns contos iniciam a narração apresentando questionamentos sobre a veracidade dos fatos descritos.

“A Queda da Casa de Usher” relata a história de Roderick Usher. Este se encontra em um profundo distúrbio psicológico e emocional e convida um antigo amigo (o narrador) para passar alguns dias em sua casa.

“Era uma sensação de alguma coisa gelada, um abatimento, um aperto no coração, uma aridez irremediável de pensamento que nenhum estímulo da imaginação poderia elevar ao sublime”- pg. 7

O narrador, cujo nome não é revelado, relata, desde o início, o ambiente lúgubre que o cerca e narra com detalhes o declínio psicológico de Roderick como a queda e destruição de sua casa e legado. Tanto a casa como próprio proprietário apresentam características que se identificam com a morte e a ruína.

(...) a simples casa, a simples paisagem característica da propriedade, os frios muros, as janelas que se assemelhavam a olhos vazios, algumas fileiras de carriços e uns tantos troncos apodrecidos (...)". pg 7.

 “(...) me parecia haver realmente, em torno da mansão e suas adjacências, uma atmosfera peculiar, que nada tinha em comum com o ar dos céus, mas que emanava das árvores apodrecidas, das paredes cinzentas e do lago silencioso- um vapor pestilento e místico, opaco, pesado, mal discernível, cor de chumbo.” Pg. 9-10.

Roderick apresenta uma aparência mórbida com tez cadavérica, olhos grandes, transparentes, luminosos sem comparação; lábios um tanto finos e muito pálidos (...) cabelos que lembravam a maciez e a suavidade de uma teia de aranha. (pg.11-12). Além disso, o anfitrião sofria uma agudeza mórbida dos sentidos, pois suportava somente os alimentos mais triviais; não podia usar senão roupas de determinados tecidos; o aroma de todas as flores o oprimia; a luz, por mais fraca que fosse, torturava-lhe os olhos – e apenas alguns sons peculiares, os dos instrumentos de corda, não lhe causavam horror. (pg.13). Ou seja, Roderick apresenta repulsa a qualquer coisa relacionado à vida e apresenta um temperamento agitado, irritadiço e melancólico.

“Um ar de severa, profunda e irremediável melancolia pairava sobre tudo, envolvia tudo.”- pg. 11

Assim, como a maioria dos contos de Poe, este conto apresenta uma atmosfera sombria, uma leitura intrigante e conduz o leitor a um desfecho que provoca sensações de constante perigo e terror.

"O Gato Preto" é um conto bem pequeno- e o meu favorito. Um dos contos mais sombrios de Poe e muito comparado com seu outro conto “The Tell-Tale Heart”. A narração, feita em primeira pessoa, é retratada em forma de memória/relato. Entretanto, a veracidade da narrativa é questionável, uma vez que o próprio narrador, no início do conto, diz que seria  louco se esperasse que o leitor  desse crédito a sua história , o que implica dúvidas sobre sua sanidade.

O narrador, -mais uma vez sem nome-, além de personagem é também o protagonista. Ao relatar acontecimentos recentes de sua vida, ele expõe todos os seus crimes ao leitor, e apresenta toda sua trajetória: do homem bondoso e carinhoso para o homem cruel, frio e perverso. Ele explica que casou-se cedo e que apresentava um grande amor e devoção aos animais, portanto em sua casa possuía um cão, pássaros, peixes dourados, coelhos, um macaquinho e um gato. Este último era um animal grande e belo, todo negro e de extrema inteligência, denominado Pluto.  Há diversos simbolismos e análises referente a este conto, principalmente referentes ao gato. Uma delas é a superstição que o gato preto evoca, -uma ideia que também foi expressa pela esposa do narrador, que afirma que todos os gatos são bruxas disfarçadas. Na mitologia escocesa e irlandesa, há um gato preto com uma mancha branca no peito denominado Cat Sith,- semelhante ao animal que o narrador encontra na taberna-que segundo a lenda era uma bruxa que poderia se disfarçar em gato nove vezes. Outro ponto é o nome do gato, denominado Pluto, em referência ao deus romano (deus dos mortos).

“(...) todos os gatos pretos são feiticeiras disfarçadas.”- pg. 42

De todos os animais, Pluto era o preferido do narrador, entretanto, com o passar dos anos, o protagonista começa sofrer algumas mudanças de temperamento,- devido ao alcoolismo- e acaba se tornando cada vez mais irritadiço e indiferente aos sentimentos dos outros. Em todo momento o narrador se encontra diante de dualidades, seus sentimentos perante seus crimes -em especial as atrocidades cometidas contra seu gato- é uma mistura de horror e remorso, certas vezes, até mesmo de vergonha, mas ao mesmo tempo sua alma é impassível, se entregando a irritação e a perversidade. Ao esconder  seus crimes, o protagonista acredita que sairá ileso, mas a culpa que o  acompanha acaba o levando a queda. Os atos de violência descritos no conto são brutais e chocantes, o leitor imerge numa mente doente, perturbada e psicótica.

“(...) tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano- uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem.”- pg. 43.

Mais uma vez Poe aborda os terrores ocultos da natureza humana e retrata de forma tenebrosa e macabra a deterioração da alma de um ser humano. Em diversos momentos, uma forte aflição invade o leitor- principalmente ao que se refere aos maus-tratos com o gato-, desenvolve-se uma forte antipatia pelo protagonista e a expectativa de vê-lo pagar pelas atrocidades que cometeu.

Eloise G.F