João & Maria
Autor: Neil
Gaiman
Ilustrações:
Lorenzo Mattotti
Editora:
Intrínseca
58 páginas
“O cheiro vinha da própria casa. Era feita de pão de
mel e decorada com jujubas verdes e vermelhas. As janelas eram de caramelo.”-
pg. 32
Quem nunca escutou ou leu a famosa história de João e
Maria em sua infância? Essa fábula
possui diversas adaptações tanto para livros como para filmes e peças de teatro.
Sua história já foi contada e recontada por milhares e já foi alterada de
diversos modos. Nessa versão, Neil Gaiman nos traz novamente este clássico,
baseado no conto original dos irmãos Grimm, com ilustrações do artista Lorenzo
Mattotti. Os dois juntos nos apresentam a essência mais sombria da história e o
assombroso passeio nas profundezas da floresta. As ilustrações de Mattotti
foram produzidas com tinta indiana, os
desenhos apresentam um belo e aterrorizante jogo de luz e sombra com a
utilização do preto e branco que, segundo o artista, transmite uma emoção mais
profunda do que a utilização de cores. Com o preto e com pinceladas fortes e
expressivas, o artista vai direto a essência do desenho e acentua o sentido
trágico do conto.
A origem desta fábula remete ao início do século XIX,
por volta de 1806, sendo escrita originalmente pelos famosos irmãos Grimm. Os alemães Jacob e Wilhelm Grimm começaram a
reunir fábulas locais com o intuito de desafiar a dominação cultural que seu país
sofria com a invasão de Napoleão. Sendo assim, começaram a transcrever
histórias que ouviam de conhecidos. João e Maria -conhecida como Hansel e
Gretel- foi contada a eles por uma garota de doze anos chamada
Henriette Dorothea Wild, apelidada de Dortchen, que mais tarde se tornou a
esposa de Wilhelm.
Essa história teve sua primeira publicação em 1812 em
“Histórias das crianças do lar”, primeira coleção de contos de fadas dos irmãos
Grimm. Em sua primeira versão, -que foi narrada por Dortchen-, o pai e a mãe
concordam em abandonar seus dois filhos na floresta, devido a escassez de
comida e a fome que se alastrou pelo país. Em revisões posteriores dos Grimm, a
mãe é a responsável pelo plano e não se importa com destino dos filhos. Já na
edição de 1857, a mãe se torna madrasta e o pai era retratado de uma forma mais
benévola, que relutava em abandonar seus filhos, mas não era capaz de se impor
as vontades da esposa. Há relatos de historiadores
que acreditam que a origem desta história está relacionada com o período
medieval, quando a Grande Fome de 1315 levou pessoas comuns a abandonarem os
filhos e a se alimentarem de carne humana, o que justifica o contexto abordado
neste conto, como em outras fábulas com temática similar, como no caso de "Branca de Neve", que no original a rainha má tem a intenção de devorar os
pulmões e o fígado da heroína, depois que ela fosse assassinada pelo caçador.
Atualmente, há muitas versões cujo conteúdo é mais leve, onde João e Maria, na
verdade se perdem na floresta, ao invés de serem abandonados pelos pais, como
na história original. Há, inclusive, versões que incluem um pato que ajuda os
irmãos a cruzarem o rio após sua fuga.
“-Somos quatro- disse a mãe- Quatro bocas para
alimentar. Se continuarmos assim, vamos todos morrer. Sem as bocas a mais, eu e você teremos uma
chance.”- pg. 14
Esta história, assim como em outras fábulas, é
carregada de simbolismos. O destino da velha, por exemplo ilustra a dimensão de
sua maldade. A morte na fogueira era a maneira mais comum de se executar uma
bruxa. O ferro, semelhante ao da porta do forno , tinha o poder de proteger contra
espíritos malignos. A floresta é um lugar sobrenatural, é aonde tudo pode
acontecer- e frequentemente acontece.
Apesar desta fábula possuir a autoria dos irmãos
Grimm, cem anos antes já havia uma história similar escrita pelo autor francês
e colecionador de fábulas, Charles Perrault, chamada "O Pequeno Polegar". Só que
ao invés de encontrar uma bruxa, os irmãos desta história encontram um ogro que
ameaça matá-los e comê-los. Esse é um ponto que achei interessante, pois nesta
versão escrita pelo Neil Gaiman, quando os irmãos encontram a casa decorada com
doces ficam com receio de encontrar um ogro e ficam aliviados ao notar que a dona se
trata de uma “bondosa” velhinha. Outro ponto interessante da história de Gaiman
é o fato dele não descrever a velhinha como uma bruxa, entretanto devido aos
precedentes dessa fábula e das famosas retratações de bruxas como velhas
senhoras abordadas por toda literatura folclórica, o leitor acaba suspeitando que ela seja uma
de fato.
O artista Lorenzo Mattotti já tinha produzido as
ilustrações de João e Maria em 2007 para a exposição de TOON Books, com a curadoria de Françoise
Mouly, para celebrar a encenação de Hansel & Gretel exibida pela
Metropolitan Opera. Essa arte serviu de inspiração para Neil Gaiman desenvolver
a sua versão do conto. É um verdadeiro desafio produzir um livro infantil com
uma atmosfera mais sombria, entretanto Gaiman explica que se você tenta evitar
histórias sombrias com intuito de se proteger de coisas ruins, você, na
verdade, não está protegido delas, pois você não tem conhecimento delas para se
proteger. Ele acredita que é importante apresentar as crianças as coisas
sombrias e ruins do mundo, e nessa apresentação mostrar também a forma de
superar essas coisas ruins, como se proteger e combatê-las.
Apesar de ser um conto já conhecido e bem popular, eu
super recomendo essa versão do Neil Gaiman. Apresenta uma narrativa leve e ao
mesmo tempo perturbante, com ilustrações que dialogam de forma primorosa com o
texto e conduz o leitor ao lado mais obscuro dos contos dos irmãos Grimm.
Simplesmente fascinante!
De bônus segue o link do artista Lorenzo Mattotti produzindo as ilustrações que estão no livro: https://vimeo.com/110238291
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