Resenha: Escola dos Mortos
Autora: Karine Vidal
Ebook
“Não importa se você for minha ruína. Eu decidi arriscar.”
Lara
é uma jovem que vive no Rio de Janeiro com sua mãe (uma artista) e sua irmã
mais nova. A vida no Rio estava indo muito bem até Lara descobrir junto com sua
família que elas iriam receber uma herança por parte da família inglesa de seu
pai, o que é uma ótima notícia, claro.... No entanto, segundo o testamento elas
só recebem a herança, se Lara frequentar por pelo menos um ano um internato na
Inglaterra, a Escola dos Sotrom. Por um bem maior, tanto para sua família e seu
futuro, a jovem aceita ir para Inglaterra e frequentar a tal escola, mas o que Lara não esperava era ser vítima
de assassinato...e o que ela menos
esperava ainda era depois disso tudo acordar
num assustador caixão e descobrir que aquela misteriosa Escola também
funcionava no mundo dos mortos e que ali seria seu novo lar... para toda a
eternidade. Portanto
uma coisa é certa! Lara Valente, a protagonista da história, irá morrer- mas pode ficar tranquilo que isso não é um
spoiler, pois é aí que a sua história pelos temíveis corredores da Escola
dos Mortos inicia.
“A Escola dos
Sotrom estava longe de ser um lugar aconchegante. Era uma espécie de castelo
medieval, com torres e pináculos pontudos e obscuros, ladeados por árvores
sombrias, esqueléticas. Gárgulas estavam dispostas nas altas torres. Esculturas
de anjos encravados nas pedras do castelo tinham olhos tristes, que pareciam
mais humanos do que deveriam. Era quase como se dissessem: vá embora enquanto
ainda pode.”
“O lugar não era o meu estilo – mas era
bem aconchegante. Nada de almofadas coloridas e remendadas. Algo mais elegante
e discreto. Aqui, notei, ainda não havia visto nada colorido. Era tudo tão
frio, prático e opaco... Com certeza eu não estava mais no Brasil.”
“É como um jogo sinistro, nós somos os
peões, e só sobrevivemos se jogarmos nossos amigos para a morte.”
“Sim, posso ser terrível – mas adivinhem: gosto de brincar. E, ah, seres humanos, com seus corações volúveis e vulneráveis... Eles são meus brinquedos preferidos. Manipulá-los é minha maior diversão. Sabe, a eternidade pode ser um pouco tediosa.”
Um
ponto que amei nessa leitura foi a forma natural e convincente que a autora nos
apresenta o mundo dos mortos. Quando
peguei o livro para ler não sabia o que esperar da história e fiquei muito
surpresa e feliz em me deparar com uma narrativa agradável e detalhada feita em
primeira pessoa, com um enredo original, instigante e bem desenvolvido, com
direito a mistérios, ação, diversão e um romance sensual e perigoso.
“Restava evidente que a Morte queria minha presença nesse lugar. Nesse enigmático mundo dos mortos, ela reservou algo para mim. E eu não sabia se queria descobrir.”
“Acreditem, a vida não é feita de
milhares de corações batendo. A vida é mais do que isso. A vida é o imaterial,
é criar laços. Se há ligações de amor genuínas aqui, entre nós, então estamos
vivos.”
“Era sempre tão escuro no mundo dos
mortos... Nunca havia lua. Talvez eu estivesse enganada e não coexistíssemos
com uma noite eterna. Noites têm estrelas, fases da lua... Mas, aqui, tudo era
sempre o mesmo, como se estivéssemos parados no tempo, numa eterna inércia
dentro de uma caixa escura.”
É nítido
que um segredo muito sombrio ronda os corredores dessa misteriosa escola. Quando Lara chega ao internato descobre
que os alunos não podem sair de seus quartos após às oito horas da noite, que já houve
muitas mortes de estudantes e professores ao longo de vários anos, e que as
pessoas não confiam em ninguém e nem tentam se destacar. A leitura vai se tornando cada vez mais interessante e intrigante
diante de cada nova descrição e informação que Lara nos dá sobre o lugar e seus
alunos peculiares.
“Enquanto eu andava por entre eles, notei um padrão: os calouros da Sotrom conversavam e, de vez em quando, até riam em suas mesas. Mas a partir do segundo ano, tornavam-se completamente sérios. Olheiras, expressões sombrias. Assim como Lucy, ostentavam atitudes paranóicas. Alguns eram bem bonitos, mas pareciam fazer força para não se destacarem. Meu cérebro tentava assimilar. Tudo era muito peculiar.”
“Nunca vi um lugar em que os veteranos eram mais retraídos que os novatos. Aparentemente a Sotrom era o lugar mais estranho do mundo.”
Sob
o ponto de vista de Lara, nos deparamos inseridos em um universo completamente
novo, principalmente o mundo dos mortos que é gerido por suas próprias regras
e... mistérios. Sim, a Escola dos Mortos
também apresenta seus mistérios, ou seja, não importa aonde Lara esteja –
viva ou morta- ela enfrentará as consequências dos segredos que envolvem esse
sombrio internato. Contudo,
apesar de distante de sua família Lara consegue fazer amizades no mundo dos
mortos e conhecer a pessoa mais misteriosa, interessante e cativante de toda
escola...Luka Ivanovick.
“Foi a primeira vez que o vi. No centro
da sala, lá estava ele. De costas, compenetrado, as mãos voando pelo piano como
uma dança bonita e macabra. Era triste de ver – era lindo de ver. O homem não
precisava de velas; ele fazia parte do escuro. Uma memória, o fantasma de uma
memória.”
“Aquele homem me intimidou. Um medo
antigo sussurrou: cuidado. Não chegue perto. Não deixe que ele te veja. Era
instintivo, visceral. Como uma presa congelada diante do perigo iminente,
fascinada com o caçador.”
“Inevitavelmente, meus sonhos foram invadidos por certo garoto de olhos negros. Ele tinha cheiro de problema. E o pior é que é disso que eu gosto.”
“Nos últimos tempos, eu não me
reconhecia. O misterioso Ivanovick me desconcertou. Inclinou meu eixo, tirou
tudo do lugar aqui dentro. Ele ditava as regras – algo que eu nunca
experienciei. Eu não estava no controle.”
“O caçador venceu, mas porque a presa
queria ser pega, o jogo só estava começando.”
“Dizem
que todo mundo gosta das pessoas simples e doces. Eu não. Preferia aqueles que
tinham um pouco de pimenta para temperar a alma, uma dose de loucura e
ocultismo para instigar o mistério. Pessoas complexas. Fechei minhas pálpebras,
ouvindo a composição. Era uma música linda – e ele a tocava para mim. Senti
vontade de chorar. Aquele garoto tinha o dom de desenterrar os mais curiosos
sentimentos do meu coração gelado.”
O
relacionamento entre Lara e Luka é bem complicado, assim como tudo ao redor de
Lara, o rapaz também é um poço de segredos e suas atitudes possessivas e
autoritárias incomodam um pouco. No entanto, aos poucos, tanto Lara como o
leitor vão compreendendo sobre a personalidade peculiar desse misterioso jovem.
Luka não é o único Ivanovick da escola dos mortos, tem mais dois irmãos, Alicia
e Nikolai, que andam juntos com ele em todo lugar. Eles vêm de uma família
russa e são muito populares, no entanto são arrogantes e hostis, não interagem
com ninguém, frequentam as aulas quando querem e possuem uma ala especial e
exclusiva para eles na escola.
“O garoto entendia significados ocultos,
complexos demais para o entendimento das palavras. Ele via o que ninguém via, e
expressava tudo isso em sua música.”
“Seus olhos de mistério, negros e
sérios, com algo de dor. Não era a beleza deles que fascinava – era a tormenta.
Havia mares revoltos lá dentro, uma tempestade contida, um perigo secreto. Ele
era uma espécie de predador, triste e perigoso – e as sombras que cercavam o
garoto me fascinavam.”
“Nas minhas fantasias mais secretas, era
o nome dele que eu chamava. Todavia, não sabia se tinha coragem para viver uma
fantasia perigosa e macabra que se tornara realidade. Ele era fogo. Podia me
fazer arder – mas também podia me machucar. Restava, então, a pergunta
principal: eu deveria ficar inebriada ou apavorada?”
“–
Como pode não saber... O quanto quer alguém? Seus ombros fortes se ergueram uma
única vez.
–
Nunca tive nenhum parâmetro para comparar.
–
Então... Nunca quis outra pessoa? – tentei soar natural. Ele demorou a
responder, e qualquer resquício de leveza que havia em seu rosto sumiu. Seus
olhos fitavam a estrada, sombrios.
– Não tanto quanto quero agora.”
O
comportamento de Luka é bem complexo, de princípio não dá para saber o que ele
realmente quer, alguns momentos suas atitudes possessivas são até engraçadas,
em outras perigosas e irritantes e em outras um tanto românticas. Devo
confessar que adorei Luka, mesmo com toda sua arrogância, possessividade e
hostilidade, ele é um personagem que conquista, mas por outro lado também fiquei fascinada com
Lara Valente, que peitou o jovem russo de diversas maneiras e jamais ficou por
baixo dessa história. Acredito que essa é uma das características de Lara que
chama a atenção de Luka, ela é diferente das outras garotas, se impõe e é
autêntica.
“A
natureza do Ivanovick se mostrava possessiva e dominadora, mas em nenhum
momento eu fiquei submissa a ele. Tratava-me de igual para igual, sempre
levando em consideração minha opinião e fazendo questão dos meus conselhos
[...] Ele me dava espaço. Respeitava as minhas escolhas e livre arbítrio. O
garoto mudou. Via-me como uma igual.”
“[..]
como você bem me conhece, eu escolhi o vilão. Mas isso não o torna menos digno
aos meus olhos. Pelo contrário – se acaso um dia ele precisar de ar, eu paro de
respirar.”
“–
Não preciso de nenhuma teoria no universo que explique quem você é para mim.
Agora, você é todo o meu universo.”
“Eu
precisei morrer para encontrar meu lugar no mundo. E que me perdoem aqueles que
estão vivos, mas aqui, nesse mundo dos mortos, eu conseguia encontrar vida em
cada esquina. Isso a Morte não conseguiu nos roubar – éramos humanos.
Carregávamos amor, ódio, sentimentos e laços em qualquer mundo.”
“–
Mas também gosto de música... E, agora, gosto da sua voz. Não sei por que.
Quando percebi isso, fui pego totalmente de surpresa. Mas não tenho como
enganar a mim mesmo. Gosto de você falando, tanto do som, quanto do conteúdo.
Fale qualquer coisa, mas fale para mim. Sua voz me... Fascina.”
Outro
aspecto que chama a atenção na trama é que a autora aponta diversos aspectos positivos
do nosso país. A história principal pode se desenvolver na Inglaterra, mas Lara
continua com sua essência brasileira, é carioca na veia e não deixa de expor
seu amor e saudades por sua terra e família.
“No Rio, a extrema pobreza das favelas
coexiste com uma riqueza infindável dos bairros nobres. Andando pelas mesmas
ruas, podemos encontrar gente muito rica e gente muito pobre – e era isso que
fazia da nossa cidade um festival de cores, raças e ritmos.”
“– Vejam bem, o Brasil é uma mistura de
etnias. Você encontra desde afrodescendentes até loiros dos olhos azuis. Na parte
em que os turistas não vêem, há brancos, pardos, índios e negros. Muita pobreza
e muita riqueza."
"Em suas
fantasias, no meu país nunca chovia, todo mundo saía sambando pela rua e o
Carnaval durava o ano todo. Elas não conheciam a realidade de um povo
trabalhador, que lutava contra a pobreza e a violência, de forma a conquistar
seu espaço no cenário mundial. Tentei ser otimista e encontrar algum interesse
na conversa – mas todas eram entediantes demais. Ninguém ali surpreendia,
arrebatava, me fazia rir ou me emocionava. Acostumada ao ritmo frenético do
Brasil, cheio de calor e diversidade, eu me sentia no meio de um monte de
mortos-vivos.”
Essa
foi, de fato, uma das melhores leituras do ano. Um livro bem estruturado e
narrado, com uma história que te prende do início ao fim. Karine Vidal nos
conduz a uma trama repleta de perigos, mistérios, segredos obscuros, mortes,
paixão e jogos de sedução. O livro físico se encontra disponível pela Editora Skull. Super recomendo!
Eloise G.F
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